segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

SÓCRATES, O DOUTOR DO FUTEBOL E DA DEMOCRACIA

No momento em que a ditadura mostrava sinais de desgaste, no futebol - lugar da contensão por excelência - uma figura liderava um movimento democrático único no Brasil.


A ASCENÇÃO DO JOVEM TALENTO E O CONTEXTO 

Ao chegar no Timão, Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira era uma jovem promessa do Botafogo de Ribeirão Preto. Havia acabado de sagrar-se campeão da Taça São Paulo de Juniors de 1977.

O presidente, Vicente Matheus, trazia para uma figura que se tornaria emblemática não só para o Sport Club Corinthians Paulista (hoje, em uma ação de marketing, classificado como República Popular sem ser), como para todo o meio esportivo e, inclusive, para a própria nação brasileira.

Logo ele, Vicente Matheus, um presidente centralizador, colocava no clube um excelente jogador, é bem verdade, mas que se mostraria um líder politizado e rebelde.

Sócrates chegava para um grande clube, justamente, em uma época em que o futebol se modernizava. A ideia de jogador disciplinado, com muita preparação física, estava na ordem do dia.

A linha-dura instituída por Paulo Amaral no futebol profissional ganhara muitos adeptos. Ainda mais, depois da Seleção Brasileira de 1970 ter dado um show no México, sob forte calor, com um time de idade avançada que muito havia se dedicado à preparação física.

À despeito de tal contexto, Sócrates teria herdado o futebol classudo de Ademir da Guia – que, na época, estava em encerrando a carreira. Logo, a pecha da lentidão tão direcionada ao grande Ademir também recairia sobre a jovem revelação corinthiana.

Contudo, Sócrates era um jovem estudado (não abriu mão da formação acadêmica na área da medicina). Tinha temperamento forte, origem familiar com relativa condição socioeconômica e, talvez por tudo isso, não costumava curvar-se às determinações de dirigentes e da imprensa.

Assim, ao contrário da timidez, da extrema humildade e da simplicidade do craque palmeirense, Ademir, o Doutor constantemente reagia aos discursos preconceituosos dos críticos.

Reagia não só com palavras, pois sempre foi difícil o acesso dos jogadores ao microfone. Por isso, usava os gestos para manifestar-se.

GOL DE SÓCRATES: CORPO ESGUIO E IMÓVEL, PUNHOS CERRADOS AO ALTO!

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Um dos exemplos mais significativos do quanto Sócrates sabia como se manifestar, estava no modo com que o dono da camisa 8 corinthiana comemorava a maioria dos seus gols.

No momento mais importante do futebol, no auge da euforia à que todos se rendem, em meio à gritos desesperados de alegria vindos da arquibancadas e dos companheiros em campo, no momento em que com um singelo ou grandioso toque fazia a bola tocar as redes adversárias, o Doutor cerrava o punho da mão direita, erguia o braço e mantinha esguio seu corpo alto e magro e parava.

Ao contrário de todos os demais, seu modo de reverenciar seu próprio lance era muito mais que uma simples comemoração. Num momento em que o futebol já se rendia às câmeras de TV definitivamente, o craque era enquadrado pelas câmaras como o indivíduo que se destaca na multidão. Melhor dizendo, o ser que parece não achar tão sensacional o que acabara de realizar, mas que transparece uma completa compreensão do bem que acabara de fazer para todos os seus.

Era a representação de sua individualidade à serviço de um time, de uma torcida e de uma nação. A comemoração do Doutor era um ritual simbólico de suas atitudes na cena dos bastidores do futebol e da política brasileira.


SÓCRATES, A DEMOCRACIA CORINTHIANA E OS RIVAIS

No momento em que a ditadura mostrava sinais de desgaste, no futebol - lugar da contensão por excelência - Sócrates liderava um movimento democrático.

Enquanto a Academia, daquele Palmeiras romântico dos anos 1960 e início dos 70, dava sinais de esgotamento, demostrando que os Anos Dourados haviam sido definitivamente substituídos pelos anos de chumbo, o líder político Sócrates com o rebelde Casagrande e outros que compunham a “Nau dos Loucos”, sonhava com um novo futebol: mais popular e mais livre.

Enquanto o São Paulo Futebol Clube, dava sinais do quanto o futebol rumaria para a profissionalização, o quanto o clube deveria ser tratado como uma corporação a se basear na ditadura dos índices de aproveitamento, dos números, dos resultados, Sócrates preservava a barba, o álcool e o prazer.

Por tudo isso e tudo o que já foi dito em outros textos sobre o grande Magrão, os punhos cerrados dos jogadores e torcedores corinthianos ontem, no Pacaembú, foram uma bela homenagem.

O próprio título também foi um grande presente que o bando de loucos ofereceu ao Doutor. Contudo, não se deve esquecer que foi um presente de Loucos para Louco, da torcida para Sócrates e não da instituição.

SÓCRATES, SUAS PAIXÕES E AS FUTURAS HOMENAGENS

Sócrates não cansou de mostrar sua indisposição com os rumos que a instituição Corinthians tomou. O movimento democrático e popular do Corinthians de fins da década de 1970 e início de 80, hoje foi vulgarizado por campanhas inescrupulosas dos marqueteiros corinthianos da atual gestão - que agora, por sua vez, passa a sonhar com voos mais ambiciosos na CBD.

Sócrates queria o bem da torcida, da massa corinthiana. Torcia para a alegria da Fiel. Contudo, nunca deixou de afirmar que sua afeição futebolística era pelo Santos Futebol Clube. Disse isso, no auge da Democracia Corinthiana, quando deixou o Flamengo para jogar no time da Vila e recentemente, em seus imperdíveis comentários, ao vivo, no programa Cartão Verde, da TV Cultura de São Paulo.

Aliás, no Cartão Verde, mesmo nesses últimos difíceis momentos, o Doutor, já debilitado, porém, extremamente lúcido, repetiu o quanto era apaixonado pelo bom futebol. Afirmava que não perdia tempo com outros jogos, só assistia ao Barça e agora, depois de Neymar, ao Santos.

Portanto, outras homenagens podem e devem ser prestadas. Depois do título brasileiro da Fiel, quem sabe não seja o Santos com o tão desejado belo futebol a presentear um dos mais espetaculares homens ligados ao universo futebolístico de todos os tempos?

Melhor ainda será se o presente vier através de um encontro fantástico no dia 18 de dezembro entre os dois times que melhor vêm tratando a bola nos últimos tempos.


Alguns dos dados aqui lembrados, e muito mais, podem ser encontrados em FLORENZANO, José Paulo. A democracia corinthiana: práticas de liberdade no futebol brasileiro. São Paulo: FAPESP/EDUC, 2009.

4 comentários:

  1. Camisas dos clubes que o Dr. Socrates defendeu
    Nossa singela homenagem ao Doutor Sócrates. Texto sobre o jogador e as camisas dos clubes que ele defendeu.
    http://showdecamisas.blogspot.com/2011/12/doutor-socrates-um-jogador-de-futebol.html

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Lu,

    Em primeiro lugar quero elogiar seu Blog, sua criatividade e talento tanto nos posts quanto no layout que tá mesmo fantástico!

    Esta grande ironia do Sócrates morrer no dia em que veria mais um título do Corinthians será o que talvez deixe este penta mais marcado, pois foi conquistado com um ímpeto além dos prêmios ou da torcida, mas como uma merecida homenagem a quem ajudou a construir tão belamente a história do Corinthians e do futebol nacional.

    Olha, Lu, parabéns pelo Blog e pelo post do Sócrates e a merecida e lúcida homenagem. Tah mtoo bom mesmo!

    Bjss,
    TATI

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  4. Pô, o cara é iluminado. Até o dia de morrer foi fantástico. Marcou demais. Apesar de Sócrates não compactuar com essa administração, o título é da Fiel Torcida, logo, ele foi num dia especialíssimo.
    VAleu pelos elogios, Tati!

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