sábado, 17 de dezembro de 2011

BARCELONA x SANTOS, MUNDIAL DE CLUBES E DE SELEÇÕES: DISCURSOS EUROCÊNTRICOS À PROVA

A hipervalorização do futebol europeu, hoje e no passado, é apenas mais um dos elementos da difusão do ideal eurocêntrico.

A página com o erro grosseiro do site do jornal Marca da Espenha
Um site que coloca na mesma reportagem sobre o Mundial de Clubes FIFA 2011, os símbolos do Santos Futebol Clube e da Associação Atlética Ponte Preta, como se os dois se tratassem do Santos não pode ter essa atitude considerada como desconhecimento. Nem mesmo como pouco caso. Trata-se, evidentemente, de descaso, no limite, tal atitude deve ser encarada como uma ação quase que proposital.

Da mesma forma devem ser vistas outras atitudes que, mais que ignorância, se mostram como uma forma de manter um discurso que, cada vez mais, deve ser entendido como meramente uma invenção.

Esse discurso tem um nome: Eurocentrismo.

O futebol apenas é mais um lugar onde se observa a tendência à hipervalorização do modo de viver que, de acordo com discursos repetidos sem reflexão, seria próprio dos europeus – ainda, como se fosse possível entender que todo aquele que tem origem na Europa pensasse e se comportasse igual.

O futebol, como não podia deixar de ser, dado a instituição moderna que é, tem sua história recheada em todas as etapas por discursos que estabelecem os europeus como os criadores, difusores e aprimoradores da prática.

Sendo assim, campeonatos, clubes e seleções, arbitragens, cartolas, se europeus têm automaticamente, como por encanto, todas as qualificações possíveis e necessárias. Isso por discursos dos próprios europeus, evidentemente, mas também por reafirmações constantes dos não-europeus envolvidos com a bola.

De onde surge isso, em se tratando de futebol?

Já na segunda parte do século XIX a posição britânica dava mostras de como seria buscada a centralização do poder no esporte que se instituía.

As cisões, a tendência a não tolerar o “outro” no futebol se iniciou entre os próprios europeus:

O tempo passou e as duas guerras mundiais acabaram por arrasar a Europa. Diante disso, em especial, a Inglaterra precisava rever posições em sua relação com as outras nações. Os tempos eram outros e o futebol poderia ajudar.
“As associações de futebol da Escócia e Inglaterra eram arrogantemente indiferentes aos apelos de se estabelecer associações de futebol em outros países, sobretudo nos que não integravam a comunidade dos países de língua inglesa”. (MURRAY, 2000: 41)*.


A Copa do Mundo no Brasil, em 1950, era a grande oportunidade.

Em 1950, os ingleses se prestariam a um papel que seria antes impensável, eles participariam de um campeonato mundial de seleções pela primeira vez.

Para a imprensa do mundo, inclusive brasileira, lisonjeada com o aceite inglês, aquela Copa seria uma barbada britânica, como diziam um dos principais jornais de esportes da época:


A Gazeta Esportiva, de 24 de junho de 1950

“A GRANDE ATRAÇÃO - Pela primeira vez aos olhos da torcida brasileira os 'reis do futebol':
Muito possivelmente teremos domingo, no Rio de Janeiro, uma renda superior a de sábado, quando estreará o Brasil. E por que isto? Pelo simples fato de que pelo relvado verdejante do Maracanã estarão naquela data desfilando pela primeira vez ante a torcida brasileira os 'reis do futebol', os futebolistas ingleses, muito justamente considerados como prováveis vencedores do Mundial de 1950". (A Gazeta, 24 de Junho de 1950, p.15). [grifo nosso]

Não se levou em conta a crise europeia e a falta de um histórico de participações da Inglaterra em jogos internacionais. Além disso


“(...) a maior parte dos cronistas que faziam previsões em torno da Copa do Mundo de 1950, também não levou muito em consideração os fracos resultados obtidos pelo Arsenal Football Club que esteve no ano anterior em excursão pelo Brasil, disputando jogos com os grandes clubes do eixo Rio-São Paulo. Na primeira excursão desse clube, que foi também a primeira de uma equipe profissional inglesa para o Brasil - o campeão da liga nacional da Inglaterra na temporada de 1947/48 - em seus nove jogos disputados, venceu apenas dois. Foi um “(...) sucesso absoluto (...) o público não se cansou de ver o Arsenal, mesmo quando os resultados passaram a ser contra o clube visitante.” (MAZZONI, 1950: 318). Como podemos perceber, em semelhança à imprensa, a torcida não deixava de se entusiasmar com a possibilidade de observar elementos que devido a sua origem eram considerados os “reis do futebol”, logo, previamente vistos também como os melhores jogadores de futebol de todo o mundo.” (BANCHETTI, 2011: 82)**.
Conclusão: O English-Team foi eliminado na primeira fase da Copa de 1950.

A campanha: 1 vitória - 2 a 0 no Chile - e 2 derrotas - 1 a 0 para a Espanha e 1 a 0 para os EUA!

Contudo, no caso daquela Copa, a Inglaterra perdera a vaga para La Furia. Entendeu-se então, a partir da lógica eurocêntrica, que os espanhóis teriam tudo para protagonizar grandes partidas e “ensinar” futebol ao Brasil e ao mundo:


“A seleção da Espanha, na maioria das análises, seria a síntese do que havia de melhor no futebol no mundo (...). Por um lado, eram europeus e, por isso, possuidores do estilo de jogo revestido por uma aura vista como sublime, “o espírito da coletividade”, uma característica que tanto se considerava própria daquele que se tinha como o maior exemplo desse modelo eurocêntrico, o inglês - diga-se, país que continuou a ser exaltado, mesmo após as duas derrotas de sua representação e a consequente eliminação: “Nas duas ocasiões os ingleses, foram mais técnicos, donos de um melhor futebol. Os conjuntos adversários, porém marcaram os gols que os ingleses não conseguiram fazer...” (A Gazeta, 4 de julho de 1950, p. 19). Por outro lado, seguindo essa construção muito própria do discurso da tradição nacionalista, os espanhóis teriam o sangue latino, portanto, também viriam a apresentar semelhanças com os sul-americanos - herdeiros da latinidade. Logo, os componentes daquela seleção tinham também “a capacidade individual dos nacionais”, ou seja, a capacidade para promover jogadas intuitivas, que seriam muito próprias do estilo de jogo que se entendia como brasileiro." (BANCHETTI, 2011: 114-115)**.
A Gazeta Esportiva de 14 de julho de 1950
O que se viu, na fase final, no jogo Brasil x Espanha?


“Espetacular vitória do onze brasileiro contra a Espanha – 6 x 1!. Venceu o Brasil! Outra vitória do „onze‟ brasileiro! Caiu a Espanha! Marchamos vitoriosamente para a reta final, para o título de campeões do mundo! Estas as exclamações iniciais possíveis ante a jornada extraordinária de ontem do quadro do Brasil. (...)” (A Gazeta, 14 de julho de 1950, p. 15).



Tudo isso, nestas horas que antecedem a finalíssima do Mundial de Clubes, vale ser trazido para rebater os discursos eurocêntricos.

Se lá na Europa se faz questão de dizer que uma Champions Ligue ou uma Eurocopa valem mais que o Mundial de Clubes e de Seleções; se lá na Europa se insiste em reconhecer jogadores como os melhores do mundo apenas se jogarem por lá, não importando sua origem; enfim, se lá na Europa se insiste em errar grosseiramente, para se reafirmar um desconhecimento de outras realidades, deixemos os europeus fazerem o que bem entenderem.

O que não se pode admitir é que um sentimento de inferioridade, de profunda ignorância, faça parte das reflexões que nós fazemos por aqui.

A Europa é forte e tem contribuições fantásticas para o futebol. A Espanha, só na terceira Copa do século XXI conquistou o torneio, é bem verdade, mas pode ser considerada uma grande escola.

O Barcelona, já perdeu mundiais – para o São Paulo FC e o Internacional de Porto Alegre –, mas também já ganhou. Além disso, sem dúvida, hoje tem uma das equipes mais eficientes e mais técnicas já vistas no mundo do futebol.

Contudo, o Santos Futebol Clube, nunca será uma zebra.

A equipe brasileira que busca seu terceiro título mundial, histórica e tecnicamente, não pode ser considerada nem mesmo uma surpresa. Nem para um europeu bem informado, muito menos para nós, brasileiros e sulamericanos.

* MURRAY, Bill. Uma história do futebol. São Paulo: Hedra, 2000.

** BANCHETTI, L. Deppa. Memórias em jogo: futebol, Seleção Brasileira e as Copas do Mundo de 1950 e 1954. (Dissertação de Mestrado). PUC-sp. 2011.
Disponível na barra deste blog e no endereço: http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=12918




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