Com Crefisa, o Palmeiras oficializou um mascote que parece
bem combinar com esses tempos temerosos...
Antes, um pouquinho de história...
“É mais fácil a cobra fumar que o Brasil entrar na Guerra”.
Esta frase, creditada a muitos, era recorrente naqueles tempos de 2ª Guerra
Mundial.
Mas não é que, mesmo aos trancos e barrancos, brasileiros
foram mandados para lá?
Através da Força Expedicionária Brasileira, os chamados pracinhas
foram parar naquela gelada, literalmente, pois vivia-se o rigoroso inverno
europeu.
Já eram fins de 1944 e também momentos finais da Grande
Guerra. E ao chegar, o comando da FEB notou que seus aliados estadunidenses –
que passavam a ser a grande referência – possuíam uniformes com um distintivo
colorido.
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Distintivo da FEB. Disponivel em: https://pt.wikipedia.org/wiki/
Ficheiro:Brazilian_Expeditionary_Forces_insignia_ (smoking_snake).svg |
Assim, as vestes brasileiras, apesar de sua precariedade, tinham também que ter seu escudo! E nada poderia ser mais interessante que uma cobra, uma cobra que estava fumando em plena 2ª Guerra Mundial!
Desenhou-se um réptil que, contrariando a lógica, não só fumava
como tinha um olhar que não chegava a constranger, a oprimir. Pode-se dizer que
era uma espécie de simpático brasileiro (ou “Homem Cordial”, como disse Sergio
Buarque de Holanda), como uma cobra que ao invés de expelir veneno, fumava um
cachimbo (da paz?), e que ironicamente tinha ido à luta no inóspito território
europeu, em plena Guerra, mesmo sem grandes recursos (seria o cachimbo uma
arma?).
Um símbolo, é bom lembrar, que não foi substituído pela versão
criada e sugerida à FEB por Walt Disney em pessoa e veiculado pelo jornal O
Globo, em 22 de fevereiro de 1945 – em mais uma das ações da “Política da boa vizinhança”,
do governos dos EUA em relação à América Latina, e, em especial, ao Brasil.
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A "concepção magistral" de Walt Disney, segundo O Globo. Disponíevel em: http://henriquemppfeb.blogspot.com.br/ 2011/02/cobra-fumando-walt-disney-feb_22.htm. |
Uma recusa que pareceu óbvia à FEB, pois a cobra de Disney
estava muito mais para um herói indestrutível ianque, do tipo Charles Bronson,
que para um Macunaíma ou um Mazaropi. Estes, típicos (anti)heróis tupiniquins, tão
falhos e tão cativantes ao mesmo tempo.
Enfim, naquele momento, a FEB com a sua “humilde” cobra conseguiu
preservar o espírito antibelicista, dialógico, ambíguo que marca a ideia do ser
brasileiro. Assim, deixava-se de lado a cobra de Walt Disney, que era evidentemente
bélica demais para nossa cultura.
Já, domingo passado...
Apesar da passagem dos anos, a tendência iniciada pelo O
Globo, lá em 1945, parece se fazer presente.
É o caso da Sociedade Esportiva Palmeiras. Seu tradicional mascote,
o Periquito, agora conta com um parceiro oficializado no último domingo, o
porco Gobatto.
Que ironia... o clube que um dia teve que provar, à custa de
sua própria existência, sua brasilidade (alterando o próprio nome, escrevendo
hino, reforçando o mascote), agora assume contornos parecidos com o proposto
por Walt Disney para a FEB, há quase um século atrás.
Mais irônico ainda é lembrar que, em 1942, o Palestra foi
forçado a se tornar Palmeiras devido à própria 2ª Guerra e à aliança que
Estados Unidos e Brasil haviam acabado de costurar e que culminou com a declaração
de guerra contra a Itália e o envio das tropas brasileiras para o conflito.
Aqui não vai nenhuma crítica ao Porco, cantado e
reverenciado pela torcida desde a década de 1980 em resposta à pecha imposta
pelos adversários, derivada do preconceito sofrido pela colônia italiana desde
sua chegada à São Paulo, na virada do século XIX para o XX.
A questão mora na evidente característica agressiva do
personagem Gobatto (referência a um antigo diretor de marketing do Palmeiras,
da década de 1980).
Enquanto o Periquito, mesmo que reestilizado a pouco, sempre
esbanjou simpatia, Gobatto traz características bem diferentes.
A ave que tornou-se mascote, nasceu do verde predominante da
antiga camisa palestrina, ainda em 1917, e da multidão deles que se fazem presentes nas Perdizes
- bairro que abriga o Palestra Itália, agora, Allianz Parque. Periquito que sempre
fez questão de mostrar-se amigável e astucioso (bom de bola, principalmente).
Por outro lado, o novo símbolo, nem um porco é. Na verdade, trata-se de um Javali. O bicho traz altura, dentes e músculos superavantajados.
A cara é de poucos amigos. Rigidez o resume. O contraste é nítido em relação a
toda a história do clube que através do seu hino sempre quis mostrar que “sabe
ser brasileiro”.
O que fica são questões, como: o que farão com a astúcia
do eterno e brasileiríssimo Periquito?
E, principalmente:
Quem é mais agressivo: a torcida uniformizada, o
mascote ou os negócios que envolvem o futebol?
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVPJUKv-k3zmWlyouaZoNywYzBfx1EulfyBYxEfKhuk4ch3VX_wqxKqDsAJiMoq8MQ5IMAxNqYYwwk9NngBj0ctreoGYuTLuM7-5t8bSVU4mnGGZOpeEJbqrKA-M-yWm5rU8IGNkSFgb4/s320/periquitos.png)
O Periquito, trajetória de meados do século XX ao início do XXI. Disponível em: http://www.encontraspbarrafunda.com/barra-funda/sociedade-esportiva-palmeiras.shtml
Para saber mais:
SALUM, A. O. Zé Carioca vai à Guerra. São Paulo, 1996. Dissertação (Mestrado em História) Pontifícia Universidade Católica.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVPJUKv-k3zmWlyouaZoNywYzBfx1EulfyBYxEfKhuk4ch3VX_wqxKqDsAJiMoq8MQ5IMAxNqYYwwk9NngBj0ctreoGYuTLuM7-5t8bSVU4mnGGZOpeEJbqrKA-M-yWm5rU8IGNkSFgb4/s320/periquitos.png)
O Periquito, trajetória de meados do século XX ao início do XXI. Disponível em: http://www.encontraspbarrafunda.com/barra-funda/sociedade-esportiva-palmeiras.shtml
Para saber mais:
Anais do X encontro do CELSUL. Guimarães & Venturini.
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