Para quem não viu o fatídico episódio de Edílson - que era bom de
bola, mas que falando não apresentou ideias tão boas assim - segue abaixo a
transcrição de sua fala em um momento em que, além de expor Zinho de forma bem
infeliz, se refere a Jailson, goleiro que está em ótima fase no nosso Verdão:
Zinho, Zinho! Você me falou de goleiro negão uma vez... Tô
lembrando... Você lembra disso. Eu não esqueço disso. A gente tava jogando,
Guarani e Palmeiras, a gente tava jogando, jogando, jogando, o goleiro fazendo
milagre. Aí eu passo por ele, dentro do jogo, e digo: “Zinho, a gente não vai
fazer gol hoje não?” Aí ele falou: “Esse goleiro é negão, daqui a pouco ele
erra”. (risos). Aí, quarenta e três, chutaram de longe, a bola entrou. Aí ele
passou por mim correndo, comemorando: “Tá vendo o que eu falei! É goleiro
negão, goleiro negão sempre toma um gol.”
E continua...
Tá vendo o que eu falei? Goleiro negão sempre toma um gol! (gargalhadas)
E Dida não era negão, não, né? (Benjamin Back, líder do programa da Fox, indaga)
Dida, não! Dida é pardozinho... (mais gargalhadas, diante de uma justificativa
igualmente racista)
Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Nada a ver: Jeferson é
um baita de um goleiro, Jeferson pega pra caramba! (Osvaldo Pascoal, outro participante
afirma, tentando mudar o tom da conversa)
Mas, Edílson insiste:
É que tem umas coisas no futebol... É que vocês não entendem... Tá
bom! Depois, vocês vão dizer... É do futebol, irmão!
Em meio a risos, gargalhadas e momentos de desconforto por parte
dos jornalistas do canal Fox Sports, Edílson fez essas colocações francamente
racistas, justificando seus argumentos dizendo que os demais não entendem o que
seria inerente ao meio do futebol, ao qual ele participou.
Eu, que não fui jogador e nem vivo do futebol, vou me atrever a
mostrar algo que talvez Edílson, do alto de seu "conhecimento" e
racismo, não saiba.
Essa ideia referente ao que seria uma incapacidade com relação a
goleiros negros tem data de nascimento, neste país em que o racismo nasceu
desde seus primeiros passos, desde 1500.
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Barbosa (1945, na época, no Vasco da Gama).
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Aliás, culparam também outros jogadores negros, como Bigode e Jair
(o nosso Jair da Rosa Pinto, campeão do Mundo pelo PALMEIRAS, em 1951).
“... até o nosso goleiro, que era a garantia de segurança e
técnica, foi dominado, falhando no momento culminante...”. (A Gazeta, 17 de julho de 1950).
Anos depois, 1986, o próprio Barbosa lembrou, em entrevista à
Geneton Moraes Neto, como passou a ser perseguido:
“... Uma vez me disseram que quem inventou foi Mário Filho. Aliás,
contestei o que Mário Filho escreveu: que trememos porque éramos pretos. (...)
Mário Filho também andou dizendo que, no dia de minha estreia na Seleção
Brasileira, contra a Argentina, em São Paulo, Flávio Costa teria me tirado de
campo no intervalo porque eu estaria com o calção todo sujo. Todo sujo de merda
– é essa a expressão. Mas, eu nem quis contestar, porque essa é uma baixeza tão
grande que nem vou descer a esse nível.” (Moraes Neto, 2000: 49-50)
Ou seja, na sua velhice, a mágoa de Barbosa era imensa. Era uma
tristeza tão grande quanto as maledicências que foram se perpetuando desde
aquela final contra o Uruguai, ainda em 1950.
Assim escreveu Mário Rodrigues Filho, no livro "O Negro no
Futebol Brasileiro", segunda edição (1964) – obra tida como um clássico da
literatura do futebol no Brasil:
“Houve quem, editando erudição em futebol, lembrasse que a posição
de goleiro, até prova em contrário, era mais pra branco. (...) Os goleiros
mulatos e pretos geralmente eram moleques. (...) Quando jogavam sério, como um
Nélson da Conceição, estavam sujeitos ao deboche. (...) E os emotivos, como
Luís Borracha que chegava às lágrimas. Ou o Moacir Barbosa, que tinha de mudar
o calção." (Rodrigues
Filho: 1964, 312).
Coincidentemente ou não, depois de Barbosa e dessa narrativa,
somente na Copa do Mundo de 2006, Dida tornou-se o primeiro goleiro negro a
vestir a camisa da Seleção Brasileira, em Copas do Mundo, desde 1950.
E até hoje vemos raramente goleiros negros. Quando surgem,
convivem com falácias, repetições daqueles que se dizem entendidos, mas que
pergunto: do que entendem?!
Referências:
Dossiê 50: Os Onze Jogadores Revelam os Segredos da maior Tragédia
do Futebol Brasileiro. Editora Objetiva, 2000.
RODRIGUES FILHO, Mário. O Negro no Futebol Brasileiro.
2ª ed. Civilização Brasileira, 1964.